terça-feira, 13 de maio de 2014

Somos todos macacos


Uma imagem vale mil palavras. A imagem dada por Dani Alves, um jogador de futebol, no passado domingo é bem capaz de ter feito mil vezes mais pela causa da luta anti-racismo do que mil artigos, argumentos ou provas científicas.

No domingo, a equipa de Dani Alves, o Barcelona FC, foi jogar a Villareal para a Liga espanhola, no mesmo país onde há alguns anos um estádio inteiro, em Madrid, insultou os jogadores negros da selecção inglesa, o mesmo país onde Samuel Eto’o ameaçou abandonar um jogo onde era constantemente insultado. Dani Alves é brasileiro, e como tal, um típico produto da maravilhosa miscigenação de todos os tons de pele iniciada pelos portugueses na antiga colónia. Ou seja, é o que se designa por “mulato” – uma das palavras universais criadas pela língua portuguesa, mas que se tem tornado politicamente incorrecta noutras línguas.

Alguém na bancada não achava que um mestiço pudesse estar ali a proporcionar-lhe um espectáculo e decidiu insultá-lo de macaco. Aproveitando a proximidade do jogador para marcar um canto, atirou-lhe uma banana. O jogador não hesitou: em poucos segundos, apanhou a banana e… comeu-a. Como que engoliu o racismo. Em seguida, com toda a naturalidade do mundo, marcou o canto e o jogo continuou. A sua equipa, que perdia, acabou por dar a volta e ganhar o jogo. Foi tudo tão perfeito que encenado não sairia melhor.

O acto simbólico de comer a banana destruiu completamente a intenção do energúmeno racista. No desporto, essa escola de virtudes, incidentes deste género continuam a suceder-se, mas as reacções (desde o abandono do campo de Roberto Carlos aos insultos em resposta de Balotelli) nunca foram tão eficazes. As imagens de Dani Alves comendo a banana correram mundo, e criaram uma corrente de solidariedade nas redes sociais, sob a etiqueta/tema “somos todos macacos” – uma frase provocatória que coloca todo o ênfase no absurdo ignorante que é desprezar alguém pela cor da sua pele.

Não se pense que esta vergonha é um exclusivo de Espanha ou do futebol: um dia antes, veio a público uma discussão entre o dono dos LA Clippers – uma das melhores equipas de basquetebol da actualidade – e a sua namorada, 50 anos mais jovem e ironicamente com origens mexicanas e africanas. Donald Sterling diz na gravação: “tens mesmo de tornar públicos os teus encontros com esses negros, e trazê-los para os meus jogos de basquetebol?” Uma milionária equipa de Los Angeles, uma das comunidades mais diversas do mundo, é detida por um velho racista – e isto num desporto como o basquetebol em que a maior parte dos melhores jogadores, bem como treinadores, árbitros, adeptos, anunciantes, são de origem africana. O escândalo está a ser de tal ordem que o treinador dos Clippers não vai continuar, os jogadores treinam tapando o símbolo do clube, e a NBA considera a hipótese de simplesmente confiscar a equipa (uma empresa que vale milhões de dólares). Até Obama, em visita de Estado à Ásia, comentou o caso chamando a Sterling “um tolo ignorante”.

É uma vergonha, mas o facto é que a luta anti-racismo não está ganha. No desporto as reacções dos responsáveis têm sido correctamente implacáveis – o adepto que atirou a banana já foi banido do estádio para toda a vida; até a FIFA e UEFA têm neste capítulo feito esforços e progressos. Mas na sociedade como um todo, a discriminação continua lá, latente ou explícita. E as sondagens para as eleições europeias preveem o sucesso de alguns partidos pouco disfarçadamente racistas e xenófobos, como o UKIP ou a Frente Nacional. Também são macacos, mas estes são macacos raivosos.

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