O cenário é de uma feira mundial de vinhos, o tempo é o
de há alguns anos atrás. Um homem, rezam algumas versões envergando um largo
chapéu de cow-boy (mas isso já soa a
embelezamento do que já é por si uma boa história), aproxima-se do stand do Instituto dos Vinhos do Douro e
do Porto e exclama confiante em inglês de cerrado sotaque americano: “boa
noite. Apresento-me, sou o maior produtor de vinho do Porto do mundo!”
Os profissionais portugueses não prestaram grande atenção
ao estranho californiano. Mas ele falava a verdade: em volume, aquele homem era
realmente o maior produtor individual de “vinho do porto”. Não o verdadeiro
feito com touriga nacional nas encostas do Douro, mas sim uma versão vinda dos
vales da Califórnia, feita com uvas cabernet sauvignon ou zinfandel às quais
são adicionados outros produtos (como água ou açúcar), ou seja uma zurrapa
muito distante do néctar oriundo da mais antiga região demarcada do mundo
(1756), mas ainda assim, “port wine” (como diz no rótulo).
Recordei este episódio a propósito da visita à Europa de
Barack Obama, o actual presidente dos Estados Unidos, que no momento em que
estas linhas são publicadas deve estar na Flandres visitando um cemitério
americano da Grande Guerra, para depois se reunir em Bruxelas com Barroso e Van
Rompuy para falar sobre a Ucrânia, sim, mas também sobre o TTIP - ou, para usar
a sigla portuguesa, a PTCI.
A Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento é um
gigantesco tratado entre os dois maiores blocos económicos do mundo, a Europa e
os EUA, que está a ser apressado entre grandes corporações e políticos muito
pouco desinteressados numa tentativa que tudo seja assinado e entre em vigor
antes que os cidadãos se dêem conta do tremendo impacto que este documento terá
nas suas vidas.
O acordo mudará a economia europeia - e a mundial - de
forma profunda e irreversível; terá implicações tremendas a nível ambiental, do
emprego, da protecção dos consumidores, da privacidade dos cidadãos, da
crescente vulnerabilidade dos Estados face às multinacionais sem rosto. E
permitirá mais comércio - em princípio (na verdade experiências anteriores,
como o NAFTA, não demonstram um aumento do comércio devido a um acordo deste
tipo). Mas estas implicações ficarão para outro artigo.
Por hoje fiquemo-nos pelas palavras de um alto
funcionário europeu sobre as negociações: “Os EUA são completamente contra as
Indicações Geográficas Protegidas”. Agora imaginemos um mundo em que a Europa,
como sempre, cede em mais este ponto essencial dos seus interesses: o nosso cow-boy inunda os supermercados com
vinho barato e doce a dizer “porto”; outros cow-boys
parecidos fazem o mesmo com “champanhe” fabricado numa garagem, ao lado de
caixotes com “mozzarela” e “feta” ou “azeite alentejano” que nunca tiveram
qualquer contacto com a bacia mediterrânica… é este mundo imaginário que está a
ser criado, hoje mesmo, em Bruxelas. A não ser que
acordemos.
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