Os
tempos não andam fáceis. As dificuldades materiais são um grande pretexto para
o reaparecimento dos fantasmas de qualquer sociedade. Quando é suposto vivermos
em tempos “pós-ideológicos”, em que ninguém veste a camisola de um partido por
convicção mas apenas por eventuais benefícios, em que não há totalitarismos, não
faltam pelo contrário exemplos do crescimento de muitos outros “ismos” que vão
corroendo a forma como nos relacionamos enquanto humanos. O egoísmo, o
isolacionismo, o segregacionismo campeiam e parecem perseguir-nos.
… ou,
pelo contrário, surgirá essa sensação precisamente pelo facto de termos
evoluído como sociedade, existindo hoje um escrutínio muito mais apertado e sendo
agora considerados como inaceitáveis comportamentos que há alguns anos
passariam quase despercebidos? Há duas semanas, a pretexto de uma banana,
escrevi aqui sobre o racismo no desporto e afirmei que a feia batalha para o
erradicar está muito longe de estar ganha (há dois dias foi atirada uma faca
para perto de dois jogadores negros do AC Milão). Desta vez, um outro
comportamento troglodita irrompeu à superfície através do futebol – o sexismo,
ou para ser mais preciso, a misoginia.
O presidente
da Liga inglesa trata as mulheres como lixo – e todos os seus emails insultuosos foram revelados por
uma vingativa ex-assistente pessoal. Neles, Richard Scudamore, um cinquentão
que vive com a sua esposa numa mansão de dois milhões de euros, chama
“autocarros de dois andares” e “irracionais” às suas subordinadas. Este é o
mesmo homem que finge trabalhar para “a total igualdade de género” e
“desenvolver com os clubes o enorme potencial do futebol feminino”; a sua
credibilidade nestes assuntos é agora zero, mas isso nem é o mais importante. A
questão é como é continuamos a permitir que indivíduos com falhas graves de
carácter continuem a obter posições de destaque para as quais, obviamente, não
servem. Como o secretário de Estado espanhol para as Comunidades emigrantes
que, quatro dias depois de ter sido nomeado e antes de tomar posse com o (então
novo) governo do PP, afirmou durante uma reunião de trabalho: “as leis são como
as mulheres, foram feitas para ser violadas”. Foi obrigado a demitir-se, sim,
mas como chegou a secretário de Estado em primeiro lugar? Quem o escolheu, e
porquê?
A
discriminação por género é um mal profundo na sociedade europeia – com os
Estados-membros de Sul e de Leste a ficarem particularmente mal na fotografia. Os
números são avassaladores: as mulheres ganham em média menos 8 mil euros por
ano que os homens. Menos de 3% dos presidentes de companhias são mulheres, mas
três quartos dos trabalhadores em part-time
são mulheres… e no entanto, estas já constituem 60% daqueles que hoje detêm um
curso superior.
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