terça-feira, 13 de maio de 2014

Voltam os -ismos

Os tempos não andam fáceis. As dificuldades materiais são um grande pretexto para o reaparecimento dos fantasmas de qualquer sociedade. Quando é suposto vivermos em tempos “pós-ideológicos”, em que ninguém veste a camisola de um partido por convicção mas apenas por eventuais benefícios, em que não há totalitarismos, não faltam pelo contrário exemplos do crescimento de muitos outros “ismos” que vão corroendo a forma como nos relacionamos enquanto humanos. O egoísmo, o isolacionismo, o segregacionismo campeiam e parecem perseguir-nos.

… ou, pelo contrário, surgirá essa sensação precisamente pelo facto de termos evoluído como sociedade, existindo hoje um escrutínio muito mais apertado e sendo agora considerados como inaceitáveis comportamentos que há alguns anos passariam quase despercebidos? Há duas semanas, a pretexto de uma banana, escrevi aqui sobre o racismo no desporto e afirmei que a feia batalha para o erradicar está muito longe de estar ganha (há dois dias foi atirada uma faca para perto de dois jogadores negros do AC Milão). Desta vez, um outro comportamento troglodita irrompeu à superfície através do futebol – o sexismo, ou para ser mais preciso, a misoginia.

O presidente da Liga inglesa trata as mulheres como lixo – e todos os seus emails insultuosos foram revelados por uma vingativa ex-assistente pessoal. Neles, Richard Scudamore, um cinquentão que vive com a sua esposa numa mansão de dois milhões de euros, chama “autocarros de dois andares” e “irracionais” às suas subordinadas. Este é o mesmo homem que finge trabalhar para “a total igualdade de género” e “desenvolver com os clubes o enorme potencial do futebol feminino”; a sua credibilidade nestes assuntos é agora zero, mas isso nem é o mais importante. A questão é como é continuamos a permitir que indivíduos com falhas graves de carácter continuem a obter posições de destaque para as quais, obviamente, não servem. Como o secretário de Estado espanhol para as Comunidades emigrantes que, quatro dias depois de ter sido nomeado e antes de tomar posse com o (então novo) governo do PP, afirmou durante uma reunião de trabalho: “as leis são como as mulheres, foram feitas para ser violadas”. Foi obrigado a demitir-se, sim, mas como chegou a secretário de Estado em primeiro lugar? Quem o escolheu, e porquê?

A discriminação por género é um mal profundo na sociedade europeia – com os Estados-membros de Sul e de Leste a ficarem particularmente mal na fotografia. Os números são avassaladores: as mulheres ganham em média menos 8 mil euros por ano que os homens. Menos de 3% dos presidentes de companhias são mulheres, mas três quartos dos trabalhadores em part-time são mulheres… e no entanto, estas já constituem 60% daqueles que hoje detêm um curso superior.

Que curioso então que seja outra vez o futebol a redimir-nos simbolicamente. Ali vai cair uma das últimas barreiras: na próxima época, uma mulher vai treinar uma equipa profissional de futebol masculino, apenas pela terceira vez na História – e nunca num escalão tão alto. O clube, da segunda liga francesa, chama-se Clermont FC e, melhor ainda, a “mister” (“mistress”?) chama-se Helena Costa e é portuguesa. A partir de agora, o Clermont tem muitos mais adeptos e eu sou certamente um deles

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