O número de pessoas que decidem cometer um “suicídio facebook” não pára de aumentar. Claro, trata-se apenas de um nome dramático para a decisão individual de deixar de gastar tempo a olhar para a mais conhecida rede social – e muitas vezes, essa decisão é motivada por preocupações ligadas à própria privacidade, num desejo (vão) de evitar que a nossa vida esteja toda em linha, disponível ao alcance de um clique a quem quiser pagar pelos nossos dados (e muitíssimas empresas e governos fazem-no).
Quem diz facebook
diz Google, Apple, Microsoft ou Yahoo; são tantos os escândalos relacionados
com o uso ilegal, ganancioso, abusivo e/ou simplesmente desleixado que os
gigantes globais da comunicação eletrónica fazem dos nossos dados, fotos,
textos, correios e tudo o resto, que cada vez mais pessoas decidem que é tempo
de dizer adeus à ditadura em linha e tentar viver sem contactos com estas
companhias. Escusado será dizer que é tarefa dificíl – uma vida activa sem smartphone e computador/tablet começa a
tornar-se complicada. E o esforço será provavelmente inglório...
Recuemos até 2011.
A Apple procura desesperadamente limitar os danos à reputação da marca ao
descobrir-se que a empresa não apenas armazena todas as localizações dos seus
clientes através dos seus iPhones, como também as disponibiliza a terceiros. A
empresa assegura “os dados são anónimos e não podem ser ligados a um utilizador
específico” – mais tarde também se comprova que tal é mentira. Entretanto, a
TomTom, empresa dos Países Baixos que construiu um império baseado em pequenos
GPS para usar dentro do carro, descobre uma forma fácil de ganhar dinheiro:
vender a localização constante e, mais importante ainda, a velocidade a que se deslocam os incautos que compraram os seus GPS
à... polícia de trânsito. Que se apressa naturalmente a colocar radares fixos e
móveis nos locais que a TomTom indica. Esta ainda tem mais um negócio para
fazer: vender aos ingénuos automobilistas actualizações dos mapas com a posição
aproximada dos novos radares que a própria empresa incentivou. Note-se, radares
que não foram posicionados nos locais onde a taxa de ocorrência de acidentes é
mais elevada (como seria o caso se mais segurança fosse o objectivo); foram-no
sim nos trechos onde, mesmo que isso não acarretasse problemas, era possível
andar mais rápido em relação ao limite (ou seja, nos locais mais rentáveis para
os cofres da polícia). Foram anos de vacas gordas, carros rápidos e donuts com todo o tipo de coberturas
para a polícia neerlandesa. Até que em Abril de 2011 a imprensa descobriu...
Perante a fúria
dos horrorizados clientes, atraiçoados por aquele inofensivo aparelho colorido
colado ao pára-brisas do carro, a TomTom pediu desculpa. “Não sabíamos que os
dados iam ser usados para caçar os nossos clientes, mas agora sabemos que eles
não gostam disso”, disse o administrador Goddijn, sem lágrimas de crocodilo.
Imediatamente a seguir e durante dois anos, quase pareceu que ser vil e
ganancioso teria castigo, pois as vendas, os lucros e a cotação da empresa
caíram a pique. Mas a memória é curta e 2013, com Snowden, trouxe-nos a
banalização da espionagem electrónica a qualquer momento. Num mundo em que o
governo americano pode saber do que falei ontem com a minha namorada ao
telefone, aumentar as multas por excesso de velocidade parece quase trivial,
amador. Os cavalos de Tróia voltaram calmamente aos pára-brisas e aos nossos
bolsos.
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