“Terra dos Fogos”
é também um dos capítulos de Gomorra
– o corajoso livro de Roberto Saviano sobre a mafia napolitana, a Camorra, que
deu também origem a um aclamado filme. O título do livro de 2007 é inspirado no
texto anti-mafia de um padre da região que terminava com o apelo claro “É tempo
de deixarmos de viver nesta Gomorra”; o padre foi assassinado pela mafia pouco
depois. Gomorra, o livro, fala-nos
dos negócios do crime organizado numa perspectiva ora pessoal, ora
jornalística, ora filosófica, naquilo que já foi descrito como um ONNI –
Objecto Narrativo Não Identificado – cujo objectivo primordial é obter uma
reacção do leitor. E as reacções não se fizeram esperar, dado que Saviano
vendeu milhões de exemplares do seu livro e encabeçou várias listas globais das
obras mais importantes dos últimos anos, isto enquanto recebia repetidas
ameaças de morte vindas da própria Camorra.
“Terra dos Fogos”
é sobre uma região da Campânia, uma histórica parte da Europa, onde se queimam
lixos de forma tão permanente quanto ilegal. A mafia paraliza os sistemas
existentes de recolha e tratamento de resíduos domésticos e industriais; há
muito dinheiro para ser ganho com o lixo, e é exactamente essa a única
preocupação do crime organizado. Uma investigação recente calculava que uma
tonelada de lixo industrial renderia 30 milhões de euros à mafia, que só tem de
se livrar dele como se fosse um acidente. Toneladas de resíduos são assim
queimadas “acidentalmente” a céu aberto, libertando constantemente para a
atmosfera e o solo substâncias mortais como dioxinas ou pior. Os resultados são
estarrecedores. Nenhum italiano arrisca comprar produtos agrícolas ou da
pecuária que sejam oriundos da Campânia (alguns produtos referem
fraudulentamente outras origens por causa disto), e depois de o Japão ter
descoberto leite de búfala contaminado, as vendas caíram a pique em todo o
mundo. Mas isso nem é nada comparado com a taxa de incidência de alguns
cancros, ali o dobro do verificado no resto da Itália. Um facto que só vem
credibilizar o arrepiante nome pelo qual é conhecida a área, com mais de 200
lixeiras ilegais, delimitada pelas localidades de Nola, Marigliano e Acerra – o
“triângulo da morte”.
Dizer que há aqui
um problema é um eufemismo. O problema é evidente, brutal, premente, permanente
– e arrasta-se há décadas, sem que os poderes públicos italianos ou europeus o
consigam ou queiram sequer atenuar. Tal não pode ser tolerável. E se o leitor
pensa que isto não o afecta porque não vive no sul da Itália, responda só para
si – consegue garantir que não é a mafia quem gere os resíduos da cidade onde
vive? É que eu não consigo.
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