terça-feira, 13 de maio de 2014

Os últimos dias da música moderna


Os Nirvana desapareceram há exactamente 20 anos, quando Kurt Cobain se suicidou com um tiro na cabeça no chamado “apartamento da sogra”, o pequeno quarto situado por cima da garagem na sua opulenta mansão em Madrona, um subúrbio de Seattle que ironicamente afixava à entrada um vistoso letreiro: “Zona livre de drogas”. Não era o caso certamente da mansão dos Cobain, onde o vício da heroína não largava o pai (nem a mãe) da pequena Frances Bean, de 19 meses de idade. Kurt, que afirmava ter começado a consumir a droga para combater as suas terríveis dores de estômago, gastava nos últimos dias da sua vida mais de 300 euros por dia só para sustentar o vício – um facto que não é possível dissociar do trágico desenlace dos acontecimentos.

Cobain disparou o gatilho a 5 de Abril, mas o seu corpo com a cabeça esfrangalhada (a identificação policial teve de ser feita com recurso às impressões digitais) só foi encontrado a 8 de Abril de 1994, uma daquelas datas-charneira que todos os que eram jovens naquela altura lembram – “onde estavas quando soubeste…”. Foi há duas décadas, o que em si já é um choque, porque elas passaram mesmo a correr. 

O lado lírico (e há muito lirismo nas letras das músicas, que enterram o lado dramático e existencial debaixo de sucessivas camadas sónicas de guitarras e distorção) da história é bem conhecido e objecto de incontáveis homenagens: sobre os Nirvana já se escreveram biografias, já se fizeram filmes, centenas de discos, até um musical. Em Aberdeen, a cidade onde Cobain nasceu e que ele desprezava, há agora uma estátua lacrimejante do mito; noutra pequena cidade onde viveu, foi instituído o “Dia de Kurt Cobain” – 10 de Abril, amanhã, o mesmo dia onde os Nirvana vão ser consagrados no Hall da Fama do Rock ‘n’ Roll juntamente com a banda mais pirosa de todos os tempos, os Kiss. E claro, tudo isto só pode fazer revolver no túmulo o anti-herói de 27 anos que sempre tinha sido um perdedor na vida, que não compreendia a formidável máquina de fazer dinheiro baseada nas suas canções, que não sabia e não queria lidar com a fama e adulação constantes. No dia em os Nirvana chegaram pela primeira vez à capa da Rolling Stone Magazine, Cobain exibia orgulhosamente a sua t-shirt na foto que (na prática) anunciava a chegada ao estrelato daquela banda de três rapazes perdidos. Ali lia-se: “As revistas das grandes corporações continuam nojentas”.

A raiva genuína, e sobretudo o inegável talento, tornaram os Nirvana primus inter pares – os príncipes da geração X. Os gritos de Cobain continham em si o desespero, o abandono e a futilidade da existência, mas também as esperanças de uma mole humana que, nas sociedades ocidentais, lhe compartilhava a alienação. Claro que não era tudo, e ainda hoje Dave Grohl, então o baterista dos cabelos longos, insiste: “As pessoas leram a biografia, conhecem o contexto, é fácil imaginar que havia uma nuvem negra permanente a acompanhar-nos. Mas a verdade é mais complicada que isso – nós adorávamos fazer música”. O próprio Cobain começa o que viria a ser a sua última obra, In Utero, com a maior das ironias: “A angústia adolescente compensou bem – mas agora estou velho e aborrecido”.

Hoje sabemos mais: os Nirvana representam simultaneamente o pináculo e o canto do cisne da relevância da música moderna. Há 20 anos, um revólver estilhaçou o último dos movimentos geracionais – a revolução digital fez o resto. Hoje, vivemos num mundo musical completamente fragmentado, eclético, mesclado; há milhares de bandas, géneros, estímulos, gostos. Por muitos bilhetes para concertos de estádio que os grandes nomes ainda vendam, ninguém conseguirá – nunca mais – pegar numa bandeira e fazer toda uma geração acreditar que a música moderna pode ser mais que mero entretenimento. Essa ilusão já viveu os seus últimos dias.

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