Creio que a
história se passou comigo em 2003. Estava então de visita à minha musa da
época, uma rapariga austríaca; curiosos por conhecer a Eslováquia, país para lá
da Cortina de Ferro e que estava na altura prestes a juntar-se à UE (e a
Schengen), decidimos simplesmente apanhar um comboio suburbano em Viena e
passar a tarde em Bratislava (a 50 km, as duas capitais mais próximas do mundo
a seguir a Kinshasa e Brazzaville no rio Congo). A minha despreocupação de turista
europeu levou-me a esquecer o passaporte; armado do bilhete de identidade e do
passaporte da minha acompanhante, tentei convencer o guarda do comboio a
deixar-nos completar o passeio até à estação eslovaca. Ele olhou, absorto, para
os documentos por um longo momento, enquanto sorria. Ao fim de uma eternidade
silenciosa, mudou repentinamente de atitude e gritou-nos: “Fora do comboio já!”
Obviamente, o
guarda eslovaco esperava por uma nota de 20 euros metida discretamente por
entre as páginas do passaporte, uma notinha que miraculosamente “confirmasse”
não ser eu um criminoso indesejável na Eslováquia – paradoxalmente, a mesma
nota que constituiria um verdadeiro crime. Comum no nosso quotidiano, é certo –
não há ninguém que não tenha já passado por uma história semelhante – mas ainda
assim um crime. E ontem a Comissão Europeia avançou, pela primeira vez, com uma
quantificação da gravidade do problema na UE, e as conclusões só podem arrepiar
um cidadão honesto: as estimativas apontam para um mínimo de 120 mil milhões de
euros perdidos a cada ano na “economia paralela”, um valor brutal que
corresponde ao orçamento de todas instituições europeias, ou então a 16 vezes o
actual défice do Estado português, ou a quase três vezes o valor do PIB do rico
Luxemburgo. Numa altura em que as nossas sociedades precisam de receitas de
impostos como de pão para a boca, é dramático ver que a corrupção aumenta –
pelo menos essa é a impressão de 57 por cento dos europeus. 75 por cento,
entretanto, consideram o problema “generalizado” nos seus países.
Não é o pequeno
suborno a agentes que constitui o grande problema das nossas sociedades, mas
sim a corrupção de alto nível, que a própria Comissão considera como “um grande
desafio” – tradução, nada foi feito e estamos a perder a luta em toda a linha.
As ligações perigosas entre a política e as grandes empresas, em que as mesmas
pessoas que supostamente representam o bem público são na verdade pagas
subterraneamente por interesses privados, constituem o cerne do flagelo – e
isto mesmo na Alemanha, por exemplo. A associação Transparência Internacional
fala também em mais de 50 deputados que, em Portugal, estão nessa situação e
trabalham para os “donos do país” – ou seja, empresas de construção civil e a
banca.
Podemos sempre contra-atacar:
há meia dúzia de anos, um punhado de jovens lituanos identificou
potencialidades anti-subornos nas novas tecnologias disseminadas por pequenos e
poderosos telefones. Nasceu Bribespot (“local do suborno”), uma aplicação para
iPhone, Android ou web que permite a qualquer pessoa em qualquer parte do mundo
denunciar um pedido de suborno de que tenha sido vítima. Os dados mundiais são
depois compilados, divulgados, combatidos... não nos vai recuperar aqueles 120
mil milhões perdidos no ano passado, nem a teia de negócios escuros à volta do
parlamento de Lisboa, por exemplo. Mas é um início. Se for pressionado, leitor,
não hesite em denunciar um corrupto.
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