terça-feira, 13 de maio de 2014

Chega de segredinhos

Sente esta sensação de maior pureza e frescura no ar? Não é só a primavera. Respira-se um pouco melhor no Luxemburgo desde a semana passada e podemos agradecê-lo à Europa.

Falo metaforicamente - o ar continua tão poluído como antes. Mas respira-se melhor porque foi tomada a decisão certa, ética e moralmente a única correcta, de aprovar a sentença de morte do sigilo bancário na União Europeia. Decisão essa tomada na semana passada em Bruxelas por unanimidade dos 28 - o que significa que também Luxemburgo e Áustria votaram a favor, depois do último argumento para arrastar os pés, a existência de regimes fiscais igualmente obscuros na Suíça e outros quatro pequenos países, estar a caminho de ser neutralizado por acordos bilaterais assinados ainda este ano.

A decisão é histórica, porque representa (em princípio…) o fim de um longo caminho de vergonha e evasão - evasão fiscal, evasão às responsabilidades, evasão à justiça. O Luxemburgo, que durante décadas sabotou qualquer tentativa de lutar contra o segredo bancário por lucrar imenso com o turismo fiscal de milhares de cidadãos alemães, belgas, franceses, italianos (sobretudo estes, mas na verdade oriundos de todo o mundo) que procura(va)m usar o Grão-Ducado como forma de evitar os impostos devidos sobre os seus rendimentos nos países de origem, é conivente com este e outros crimes: de facto, estão aqui escondidos rendimentos e activos cuja origem é melhor ninguém mesmo conhecer de todo…

A situação presente, com fim marcado para 31 de Dezembro deste ano, era boa para os sectores financeiros dos dois países prevaricadores; era péssima para os tesouros dos países vizinhos, má para a Europa como um todo, corrosiva para o resto do mundo que sofre em menor ou maior grau com a praga da fuga de capitais. Estimativas conservadoras apontam para que a cada ano a factura dos impostos perdidos para a evasão, só na Europa, seja de 850 mil milhões de euros, um valor astronómico que seria suficiente para resolver todas as crises de dívidas soberanas e proporcionar muito melhores serviços públicos aos cidadãos. Parte desse dinheiro, sabemo-lo bem, está guardado no Grão-Ducado - talvez um pouco menos agora que a “praça financeira” já teve algum tempo para se preparar para o golpe, enquanto o país discute finalmente (mas tarde) os novos caminhos económicos a trilhar.

Não deixa de ser uma curiosa coincidência - para quem nelas acredite - que a directiva europeia que estabelece a troca automática de informações fiscais seja desbloqueada pouco tempo depois de um dos seus grandes adversários de longa data, Jean-Claude Juncker, tenha abandonado o poder. E não deixa de ser altamente irónico que o mesmo Juncker seja agora candidato a presidir à Comissão Europeia, precisamente a instituição que mais se bateu pelo fim do sigilo bancário. Mas mesmo que eventualmente ganhe, Juncker vai chegar tarde… o sistema financeiro acaba de se tornar ligeiramente mais justo, e não haverá marcha-atrás.

Sem comentários:

Enviar um comentário