Há histórias
que tanto dão para rir como para chorar. Há duas semanas li neste mesmo jornal
algo assim, contando como um anúncio de emprego publicado por uma associação
humanitária serviu de arma de arremesso político para um partido da direita
populista. O crime do anúncio? Pedir que a pessoa a contratar dominasse a
língua portuguesa.
O ADR, o
tal partido, fez a sua previsível chinfrineira pavloviana no Parlamento
luxemburguês, obrigando o ministro da tutela a gastar algum do seu tempo (pago
pelo erário público) a declarar o óbvio, ou seja, que as associações sem fins
lucrativos devem estar habilitadas a responder às necessidades dos seus utentes
e devem ser acessíveis aos mesmos – essa acessibilidade pressupõe uma
comunicação efectiva. Uma forma legalista de dizer o que qualquer pessoa que já
tenha precisado de trabalhar sabe: são necessárias cada vez mais competências
em diferentes áreas para se poder ser contratado, a concorrência é cada vez
mais forte, os empregos confortáveis e bem pagos são cada vez mais difíceis de
encontrar. Talvez eles ainda existam na política e pouco mais…
Afirma o
ADR que um anúncio que exija português é “discriminatório”. Sou forçado a
concordar: discrimina entre aqueles que servem para a função de auxílio a
jovens carenciados e os que não servem. É para isso aliás que servem todos os
processos de recrutamento, ou os testes na escola: discriminar entre os que
sabem e os que não sabem. E numa economia em que 25% dos consumidores falam ou
pelo menos entendem português, é evidente que esta é uma competência valorizada
pelo mercado, por muitas peneiras demagógicas que sejam usadas para tapar o
sol.
O toque
risível, esse, é emprestado pela secretária-geral do partido e que é também
candidata às eleições europeias. “Não queremos que isto contamine o Estado para
que este não comece a contratar pessoas que não falam as línguas oficiais. Há
muitos velhinhos que são cuidados por enfermeiros que só falam francês. A
língua da integração é o luxemburguês. E os portugueses são uns privilegiados”
são as ideias fortes da sua lengalenga. A particularidade, claro, é que a senhora
em questão se chama Liliana Miranda e é, ela própria, portuguesa.
Cara
Liliana, deixe-me falar-lhe directamente: falar português, a sexta língua mais
falada no nosso planeta (e, subjectivamente, a mais bela), não significa não
saber falar luxemburguês, um dialecto tornado língua há apenas 30 anos e que é
falado por menos pessoas que o mingrélio ou o frísio (são outras línguas
europeias, o que pode dar jeito saber se for eleita para o Parlamento em
Estrasburgo). Como sabe, alguém que só fale luxemburguês ficará sempre cingido
a uma vida dentro de um pequeno território perdido na Europa central,
“integrado” mas limitado, possivelmente sem outra opção na vida que não a de
cuidar de velhinhos mimados com altíssimas reformas - que só podem existir
porque há muitos “privilegiados” portugueses neste pequeno país a pagar
impostos, contribuições sociais e rendas exorbitantes.
Liliana:
os portugueses não são uns privilegiados. Posso assegurar-lhe que a esmagadora
maioria passa grande parte da sua vida a trabalhar no duro, e tudo para obter alguns
pequenos confortos materiais como alimentação e vestuário (um privilégio em
relação à miséria, é certo). São as mesmas pessoas que constroem e limpam as
tais casas de rendas altíssimas, por exemplo… os mesmos que muitas vezes calam
e engolem as (lá está) discriminações diárias de que são vítimas num dos poucos
Estados europeus que não ratificou a Convenção-Quadro para a Protecção das
Minorias Nacionais, isto apesar de deter uma das mais importantes minorias a nível
mundial – precisamente a portuguesa. Ah, esta convenção foi assinada no
Conselho da Europa, que fica em Estrasburgo. Mesmo que nunca venha a ser eleita
deputada europeia, aconselho-lhe vivamente uma visita. Nunca é tarde para se
abrir os olhos.
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