terça-feira, 13 de maio de 2014

Lucros privados, prejuízos públicos

Ao conquistar a pequena cidade de Zela na Ásia Menor, Júlio César tornou-se imperador de todo o mundo romano conhecido. O relato da sua vitória que levou ao Senado, pleno de arrogância na sua falsa simplicidade, ficou para a História: “Veni, Vidi, Vici” – vim, vi e venci. Todos a partir dali prestariam o tributo fixado pelo ditador e arrecadado pelos questores.

Se eu fosse o maior accionista da empresa francesa Vinci, era rapaz para usar como marketing o jogo de palavras um tanto ou quanto piroso: veni, vidi, Vinci. Não apenas porque a Vinci, exploradora (por exemplo) de parques de estacionamento na capital luxemburguesa e em mais 12 países, já tem uma imagem pirosa e um slogan destes ficar-lhes-ia a matar, mas também dado que a situação da empresa no mercado é curiosamente similar à do império romano: poderosa, monopolista, exigindo tributos exorbitantes aos seus súbditos.

Este enorme conglomerado encontrou formas de ganhar dinheiro muito menos trabalhosas que a original (a empresa inicial, criada no século XIX, é do sector da construção). O negócio dos parques é sintomático: em conluio com as câmaras municipais e a sua sanha persecutória ao automóvel, a empresa privada obtém baratinho algumas parcelas de espaço público (até servem prédios devolutos ou inacabados), pinta umas linhas coloridas no pavimento, instala cancelas que abrem mediante o pagamento do dízimo, e pronto: é só sentar no sofá e esperar que os fiscais à caça de multas – que em algumas cidades são subcontratados à própria Vinci – façam o resto para angariar clientes. Um pequeno parque de 250 lugares que cobre 5 euros à hora (há-os ainda mais caros) tem potencial para arrecadar ao fim de um só mês… 930 000 euros!

Mas estes ainda são montantes irrisórios comparados com o ramo das portagens em autoestradas ou com o próximo passo lógico – lançar a empresa na gestão de aeroportos onde, aí sim, é possível agir como monopolista, tornando as margens de lucro verdadeiramente apreciáveis.

Vítima ideal? Portugal. Aeroportos já construídos (pagos por impostos) e modernos (o do Porto vencendo mesmo prémios internacionais de qualidade), mais de 30 milhões de passageiros, e um Estado tão depauperado que nem hesita em liquidar os seus activos mais valiosos, abdicando de os rentabilizar. Assim, a Vinci pagou, no ano passado, 3 mil milhões de euros para comprar a ANA, empresa que gere todos os 10 aeroportos portugueses. Para o português médio, o negócio é triplamente ruinoso: primeiro, a cidade de Lisboa “vendeu” ao Estado os terrenos onde o aeroporto sempre se encontrou, mas o contribuinte português nem usufruiu dessa sensação, dado que este foi alienado em seguida; o proveito da venda será utilizado no pagamento de juros da dívida a credores alemães, e não na melhoria das condições de vida da população; e finalmente, a qualidade do serviço nos aeroportos tenderá a piorar (foi o que sucedeu nos pouquíssimos países que venderam a sua rede de aeroportos) e as taxas aeroportuárias, essas, vão disparar em direcção às estrelas. Logo no ano passado, na Portela, as taxas subiram 4,37% em Junho… e logo mais 4,40% em Dezembro, ou seja pouco menos de 9% em seis meses. Agora, o segundo aviso: a imposição arbitrária de uma taxa de 17 euros por carro alugado nas pequenas empresas (habitualmente portuguesas) de rent-a-car low cost, de forma a favorecer as multinacionais do sector que podem pagar um quiosque dentro do terminal (e que ficam isentas da taxa). Sugiro que o leitor, ao chegar a Portugal e ver o seu carro alugado ficar ainda mais caro que em França ou Suíça, utilize outra citação, esta napoleónica: “Do sublime ao ridículo vai apenas um passo”.

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